Sgt PM Francisco Gutemberg*
Inicialmente imaginado como o instante de agradecimento aos deuses pela fertilidade da terra, a farra do carnaval logo ganhou ares de culto à pujança, à beleza, à bebida e ao sexo. Do Egito antigo (4 mil anos antes de Cristo ), quando se homenageava a deusa Ísis e se celebrava, ao redor de uma fogueira, um instante de confraternização entre as diversas classes sociais, o Carnaval chegou a Veneza, de onde se espalharia para todo o mundo, com as cores que marcariam, definitivamente, a sua história. E é nesta belíssima Veneza do Séc. XV que a festa tomou as características atuais, com suas alegorias, fantasias, máscaras, desfiles etc.
Trazido de Portugal, via Ilha da Madeira e Cabo Verde, o Carnaval aporta em terras tupiniquins em 1641, trazendo na bagagem toda a alegria e irreverência já típicas da festa. Mas é apenas no Rio de Janeiro de 1840 que ocorre o primeiro baile de salão. Já os primeiros clubes carnavalescos esperariam mais um século para surgirem. Na Bahia, diferentemente do Rio de Janeiro, ganhou força o carnaval de rua, dos afoxés (classe baixa) e dos clubes (das elites). Contudo a maior invenção do carnaval baiano estaria no aparecimento do Trio Elétrico de Dodô e Osmar, em 1950, algo que consagraria de vez o carnaval popular e de rua.
No caminho de uma possível compreensão de significados que carrega o carnaval da Bahia na atualidade, é importante nos determos na década de 80. Este é um momento histórico para o país, quando ocorrem diversos fatos sócio-politicos de magnitude suficiente para alterar, de forma bastante significativa, as relações de poder. É o momento da chamada "abertura politica", da chegada e implementação de um novo modelo politico-econômico (neo-liberal) que, orquestrado nos EUA e Europa, estabeleceriam regras não apenas comerciais (quebra de barreiras alfandegárias), mas especialmente comportamentais, articuladas que sempre foram ao eterno projeto de manutenção do status quo, de quem domina e apadrinha, de quem com uma mão afaga enquanto a outra rapa.
O Carnaval contemporâneo também é resultado de todo este processo de readaptação do Poder, travestido na vertente da festa, do grito enebriado, moldado numa formulação de imagens, de movimentos, cores, zumbidos, néons, tambores, confundidos com uma pretensa "cultura baiana", que encantam os olhos e os frágeis ouvidos da massa, do homo festivitas, do homo consumus. O modelo operacional do projeto político-econômico necessita de variados recursos que o viabilizem, e, neste sentido, atrelado à idéia de formação do indivíduo (sua pacificação e confecção de opinião), o Carnaval, e todo o seu arcabouço sedutório, são ferramentas importantíssimas na preservação do sistema de Poder que interessa ao Capitalismo.
Autorizado pelo Estado e pelos veículos de comunicação, ou diria melhor, pelo mando das cinco famílias que monopolizam a informação e a "verdade" no Brasil (Marinho, Frias, Macedo, Saad e Abravanel) a "Festa" foi concebida para atrair multidões de todos os lugares do Brasil (e do mundo), movimentando somas astronômicas que enriquecem empresários do ramo de cervejaria, hotelaria, telefonias, agenciamento turístico, bem como alguns poucos escolhidos que atendem pelo singelo nome de "artistas" baianos (eleitos a cada ano por algum canal de TV, na figura de um seu qualquer expert em cultura e arte).
Em nome da alegria, da tradição e, principalmente, do lucro, digo, do emprego, atestam os governantes que o Carnaval traz progresso e dividendos, no que se exclui, talvez por um lapso de memória, a informação de para onde segue o grosso destes dividendos. O aludido "Progresso" trazido pelo carnaval é, inclusive, bastante perceptível a cada fevereiro no aumento da renda dos empresários e do número de transeuntes menores e indigentes catadores de latinha que enfeitam nossas ruas, os quais se emparelham ao lado das cordas de caravanas dançantes, entre amarelos e obesos e seus sorrisos sem-graças.
Rebelar-se contra a falsa unanimidade, insinuar uma pequena que seja insurreição a desfavor do Carnaval, é quase um sacrilégio, diriam os discursos de bolso. Se você não gosta da festa, cale-se, mude-se, sob pena de parecer louco ou pecador. È como querer a aventura de dizer que a nossa imprensa não tem autoridade para afirmar nenhuma questão sócio-politica-econômica, porque bancada pelos que ganham com o flagelo da ignorância das massas, e ser imediatamente calado com um murro na boca dos que sustentam a máxima da "Liberdade de expressão" ou aquela "Não vão calar a nossa voz, pois a imprensa é a voz do povo e ele não se cala.". Ou seja, roubam a posição de vítima do desgraçado que lhe ensaie qualquer ameaça, colocando-o no seu devido lugar, no lugar do ostracismo e do ridículo.
Uma festa que emburrece, enquanto imbeciliza, arrasta a massa, literalmente, que atende à demanda e à hipnose, ao sorrateiro chamamento televisivo do jornalista estupidamente maquilado do Jornal das Oito, no caminho da turba enlouquecida a qual se envolve de alma e corpo na dança frenética, no agitar de braços, pernas e bundas, em manifestações que atendem à insanidade rítmica do trio elétrico. Assim é o carnaval da Bahia, e o que sobrar desta conta deve já ter sido investido na Bolsa de Valores de São Paulo ou quem sabe Nova Iorque, como resultado de lucros justos e honestos de quem acredita na alegria do povo e na sua saúde mental.
*Autor: Francisco Gutemberg é Sargento da PM-BA, lotado no Departamento de Comunicação Social
Os artigos publicados na Coluna "A Voz do PM" não refletem o posicionamento oficial da Polícia Militar da Bahia nos assuntos em questão. Se você for policial militar e desejar publicar seu texto nesta coluna, mande seu texto com nome, posto ou graduação, OPM e currículo resumido para dmt.midiasocial@pm.ba.gov.br
Valeu Gutembergue! Só assim aparecemos e mostramos que também somos inteligentes. Parabéns ao Comandante Geral por ter dado mais essa oportunidade a todos nós Praças.
ResponderExcluirParabéns, Sargento, pelas belas e verdadeiras palavras. Poucos homens têm a coragem de proferi-las de tal forma.
ResponderExcluirMuito bem colocada a forma em que o Sr. aborda a questão da influência da mídia para com o Carnaval, a opinião daqueles que são ridicularizados por não serem cúmplices (coniventes) dessa "festa" e a rentabilidade que ela gera, por fim, deixando mazelas na nossa cidade.
Al. Sd. PM Albuquerque
BPRv
Turma Delta
É importante que se denuncie também esta imprensa covarde e sensacionalista, que tanto nos engana com verdades absolutas.
ResponderExcluirSe o autor não se incomodar em responder, manifesto curiosidade em saber sua orientação religiosa e sexual, para verificar se há possível tendencionismo prévio no texto.
ResponderExcluirNão sou policial, mas me intereço pela área de segurança, e fico muito feliz quando percebo dentro da PM inteligancia e lucidez, a exemplo do excelente artigo deste satgento. A PM da Bahia tá de parabéns!
ResponderExcluirParabéns!!! Foi o melhor texto publicado até agora neste blog. Independente do seu posicionamento crítico à cultura local, você mostrou uma capacidade que infelizmente poucos têm: o de conseguir ausentar-se do globo fechado para enxergar pelo lado de fora do vidro, constatando nossa hipnose do momento.
ResponderExcluirSei que dará continuidade ao texto, e aí vai uma sugestão: os aspectos da violência.
Um forte abraço!
Fábio Campos - Tenente PM
Caro colega Sgt Francisco. Quero parabenizá-lo pelo excelente texto publicado. Que sua iniciativa traga outros colegas para alimentar o nosso Blog da PMBA. Todos nos temos grandes historias de vida dentro da PMBA, por isso temos que contá-las e também demonstrarmos os nossos pontos de vistas sobre o que vivemos! Aguardamos outros artigos.
ResponderExcluirValter Menezes – Maj PM
Cmt. da Rondesp/Atlântico
Prezado companheiro,
ResponderExcluirMuito própria a sua visão acerca dos processos que envolvem o Carnaval. Espero que continue a expressar a sua opinião, revelando que o debate é mais importante que a indiferença. E quando ele é feito de maneira respeitosa, como você está fazendo, fica melhor ainda.
É assim meu amigo. Continue com esse trabalho exemplar.
Forte abraço,
Cap Vergne
ACESSE: www.correiodoestadobahia.blogspot.com e leia:
ResponderExcluirSoldado da PM lotado no 15º BPM usou viatura e armamento da Polícia Militar para sequestrar e matar jornalista.
O jornalista seria assassinado na estrada que liga BR 101 a cidade de Barro Preto.O sequestro aconteceu dentro do sítio do profissional de imprensa no KM 505 da BR 101, em Itabuna.